Em janeiro de 2024, Augusto Melo assumiu a presidência de um Corinthians que sonhava em reviver as glórias da década anterior, quando o clube conquistou títulos relevantes, como Mundial de Clubes, Copa Libertadores e Série A do Brasileirão, além de passar a contar com um estádio próprio, a Neo Química Arena.
O dirigente posava como a esperança de renovação, em um time atolado em dívidas e incapaz de obter bons resultados dentro de campo, tanto que derrotou o grupo ligado ao ex-presidente Andrés Sanchez.
Antes mesmo de assumir, a Gestão Melo já procurava pautar a mídia com notícias positivas sobre o clube. A mais impactante delas veio logo nas primeiras semanas de 2024, quando o Corinthians anunciou o acordo com a casa de apostas VaideBet.
Com três anos de duração, o acerto renderia R$ 370 milhões à equipe, superando o valor obtido pelo Flamengo com a Pixbet e sendo considerado o maior contrato de patrocínio máster do futebol brasileiro à época.
Mas a mesma VaideBet, que rendeu alguns dias sublimes para Melo, agora pode representar sua ruína.
Na noite desta quinta-feira (22), o presidente do Corinthians foi indiciado pela Polícia Civil de São Paulo, juntamente de ex-dirigentes do clube, pelos supostos crimes de associação criminosa, furto qualificado e lavagem de dinheiro.
Além de Melo, foram indiciados no inquérito o ex-diretor administrativo Marcelo Mariano, o ex-superintendente de marketing Sérgio Moura e Alex Fernando André, mais conhecido como Alex Cassundé, que teria sido o intermediário da negociação entre Corinthians e VaideBet.
O ex-diretor jurídico Yun Ki Lee, que também aparece na investigação, apresentou um pedido para ser habilitado nos autos. Enquanto essa solicitação não é analisada, a Polícia Civil não pode apresentar conclusões relativas à atuação do ex-dirigente no caso.
Intermediação
Alguns erros de ordem política, somados a questões administrativas, ajudaram a empurrar a gestão de Melo para a borda do abismo.
Na ânsia de mostrar que o Corinthians voltaria a ser reconhecido como um gigante nacional, capaz de rivalizar (e até superar) o Flamengo, time que mais fatura no país, o novo presidente fez questão de divulgar as cifras milionárias envolvendo o contrato com a VaideBet e ressaltando que toda aquela bolada iria para os cofres do clube.
Na medida em que detalhes do contrato passaram a ser divulgados pela mídia, foi ficando claro que a situação não era bem aquela alardeada pelo dirigente.
O Corinthians teria de arcar, por exemplo, com a multa pelo rompimento com a antiga patrocinadora máster Pixbet. Atualmente, a casa de apostas trava uma guerra judicial com o clube, alegando ter direito a receber R$ 40 milhões relativos ao contrato rescindido.
Esse detalhe, porém, quase não causou comoção. Os problemas para a narrativa de Melo começaram quando surgiu a notícia de que, ao contrário do que a diretoria havia anunciado, o contrato com a VaideBet possuía, sim, intermediação.
A Rede Social Media Design Ltda., de Cassundé, teria direito a 7% do total que a empresa de apostas pagaria ao clube. Isso renderia ao intermediário algo próximo a R$ 26 milhões, durante os três anos em que o acordo estivesse em vigor.
O fato de haver intermediação, em si, não representaria um problema. A forma como o caso veio a público, porém, gerou uma crise para Melo, que acabou culminando não apenas na rescisão do contrato com a VaideBet.
A situação se agravou depois da divulgação de que Cassundé havia participado da campanha de Melo à presidência e seria próximo a Sérgio Moura.
O superintendente de marketing acabou deixando o cargo no clube em maio do ano passado, depois de a história se tornar ainda mais complexa e surgirem indícios de que parte expressiva dos recursos pagos à Rede Social Media Design Ltda. teriam sido repassados a uma empresa considerada “laranja”.
Neste ano, trechos vazados do relatório do delegado Tiago Fernando Correia, responsável pelo inquérito, indicam que esse dinheiro teria abastecido as contas de um empresário supostamente ligado ao Primeiro Comando da Capital (PCC), em um total de R$ 1 milhão.
Crise política
Ao mesmo tempo em que o contrato com a VaideBet se convertia em pesadelo para Melo, o presidente viu seu principal aliado Rubens Gomes, o Rubão, entrar em rota de colisão com o Conselho Deliberativo do Corinthians.
Os problemas tiveram início depois que Romeu Tuma Júnior foi eleito para a presidência do órgão em fevereiro de 2024, com o apoio da diretoria recém-empossada. O resultado foi considerado uma vitória política para Melo.
Em pouco tempo, porém, começaram os atritos entre Rubão e Tuma Júnior. O então diretor de futebol chegou a dar declarações públicas afirmando que o Conselho Deliberativo funcionaria como um “governo paralelo” no Corinthians.
Apesar de ter Rubão como principal fiador de sua vitória presidencial, Melo optou por romper com o antigo aliado, na esperança de garantir o apoio incondicional de Tuma Júnior. Mal fazia ideia de que estava se isolando politicamente e de uma maneira quase fatal.
Em 20 de janeiro deste ano, o órgão presidido por Tuma Júnior realizou uma reunião para votar a abertura de um processo de impeachment contra Melo, por conta do caso VaideBet.
À época, contudo, o presidente ainda desfrutava de boa popularidade junto aos torcedores, por conta da recuperação da equipe nos gramados, turbinada pela presença do astro holandês Memphis Depay no elenco.
No segundo semestre do ano passado, o Corinthians engatou uma série de bons resultados na Série A do Brasileirão, conseguindo não apenas escapar da zona de rebaixamento como também se classificar para a Pré-Libertadores de 2025.
Em janeiro deste ano, portanto, o Conselho Deliberativo acabou suspendendo a reunião que debateria o caso, alegando falta de segurança, mesmo com 114 conselheiros (em um universo de 126) tendo aprovado a admissibilidade do processo de destituição de Melo.
Hoje, o mandatário já não conta com esse apoio popular. A Gaviões da Fiel, principal torcida organizada do clube, anunciou que não se opõe ao eventual impeachment de Melo.
A próxima reunião do Conselho Deliberativo para analisar o caso está agendada para a próxima segunda-feira (26), às 18h (horário de Brasília), no Parque São Jorge, em São Paulo (SP).
Se o impeachment for aprovado, quem assumirá o cargo, de maneira temporária, é o primeiro vice-presidente do Corinthians, Omar Stabile.
Além disso, o Conselho Deliberativo precisará definir a data para a realização de uma Assembleia Geral, na qual todos os sócios corintianos serão chamados a decidir se cassam ou mantêm o mandato presidencial de Melo.
O que diz Augusto Melo
Cerca de duas horas após a divulgação da notícia do indiciamento de Melo pela Polícia Civil, o Corinthians emitiu uma nota, na qual o presidente alegou haver recebido “com incredulidade e indignação o relatório final do inquérito”.
O mandatário também afirmou que “não possui qualquer envolvimento com eventuais irregularidades relacionadas ao caso”.
A nota também informou que o presidente e o advogado Ricardo Cury concederão uma entrevista coletiva nesta sexta-feira (23), às 15h, no Centro de Treinamento Dr. Joaquim Grava, em São Paulo (SP).
Confira abaixo a íntegra da nota emitida pelo Corinthians sobre o indiciamento do presidente Augusto Melo:
A defesa do presidente Augusto Melo recebeu com incredulidade e indignação o relatório final do inquérito, divulgado na noite desta quarta-feira (22), e informa que fará suas considerações oficiais assim que concluir a análise integral do documento.
Reitera-se a convicção de que o presidente Augusto Melo não possui qualquer envolvimento com eventuais irregularidades relacionadas ao caso.
O presidente foi o responsável por viabilizar o maior contrato de patrocínio máster do futebol sul-americano, tendo recebido a proposta, encaminhado aos departamentos competentes e firmado o contrato com a aprovação de todos os setores envolvidos. Esse foi o único papel desempenhado por ele no processo.
O advogado Dr. Ricardo Cury e o presidente Augusto Melo concederão entrevista coletiva nesta sexta-feira (23), às 15h, no CT Dr. Joaquim Grava.
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